Leitura de trechos do livro "Quarto de despejo: diário de uma favelada", de Carolina Maria de Jesus
13 DE MAIO
Hoje amanheceu
chovendo. É um dia simpático para mim. É o dia da Abolição. Dia que comemoramos
a libertação dos escravos.
...Nas
prisões os negros eram os bodes expiatórios. Mas os brancos agora são mais
cultos. E não nos trata com despreso. Que Deus ilumine os brancos para que os
pretos sejam feliz.
Continua
chovendo. E eu tenho só feijão e sal. A chuva está forte. Mesmo assim, mandei
os meninos para a escola. Estou escrevendo até passar a chuva, para eu ir lá no
senhor Manuel vender os ferros. Com o dinheiro dos ferros vou comprar arroz e
linguiça. A chuva passou um pouco. Vou sair.
...Eu
tenho tanto dó dos meus filhos. Quando eles vê as coisas de comer eles brada:
—
Viva a mamãe!
A
manifestação agrada-me. Mas eu já perdi o habito de sorrir. Dez minutos depois
eles querem mais comida. Eu mandei o João pedir um pouquinho de gordura a Dona
Ida. Ela não tinha. Mandei-lhe um bilhete assim:
—
"Dona Ida peço-te se pode me arranjar um pouco de gordura, para eu fazer
uma sopa para os meninos. Hoje choveu e eu não pude ir catar papel. Agradeço.
Carolina."
...
Choveu, esfriou. E o inverno que chega. E no inverno a gente come mais. A Vera
começou pedir comida. E eu não tinha. Era a reprise do espetáculo. Eu estava
com dois cruzeiros. Pretendia comprar um pouco de farinha para fazer um virado.
Fui pedir um pouco de banha a Dona Alice. Ela deu-me a banha e arroz. Era 9
horas da noite quando comemos.
E
assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual — a fome!
15 DE MAIO
Tem noite que eles
improvisam uma batucada e não deixa ninguém dormir. Os visinhos de alvenaria já
tentaram com abaixo assinado retirar os favelados. Mas não conseguiram. Os
visinhos das casas de tijolos diz:
—
Os políticos protegem os favelados.
Quem
nos protege é o povo e os Vicentinos. Os políticos só aparecem aqui nas épocas
eleitoraes. O senhor Cantidio Sampaio quando era vereador em 1953 passava os
domingos aqui na favela. Ele era tão agradavel. Tomava nosso café, bebia nas
nossas xícaras. Ele nos dirigia as suas frases de viludo. Brincava com nossas
crianças. Deixou boas impressões por aqui e quando candidatou-se a deputado
venceu. Mas na Camara dos Deputados não criou um progeto para beneficiar o
favelado. Não nos visitou mais.
...Eu
classifico São Paulo assim: O Palacio, é a sala de visita. A Prefeitura é a
sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os
lixos.
JESUS,
Carolina Maria de. Quarto de despejo:
diário de uma favelada. São Paulo: Ática,
10ª ed. 2014. p. 30-32
Questões:
Que imagem você
construiu da narradora do texto lido?
Em que ambiente
vive a narradora do texto? Comente:
O
que a narradora fala sobre a fome nos trechos lidos?
Em um dos trechos
de seu diário, o que a narradora comenta
sobre os políticos?
O que mais chamou
sua atenção nos trechos lidos?
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